CD 1

Série “Boemia - Crônica Ensaiada de Uma Cidade” - (Eduardo Marques)

Letras do CD 1


1 -  “A Dita” (Eduardo Marques)  - A Dita por quem dei meu nome, pra quem dei guarida / De vez em quando ne visita assim meio aflita / Com o mesmo olhar de pantera, jaguatirica / Arranha o meu coração com a mesma desdita, maldita / Desfila bem na minha porta de um jeito que excita / Mas dorme com o meu amigo pra ver se me irrita / Imita a outra que tumultuou minha vida, bandida / Explode  a minha cabeça, o meu coração dinamita / Mas não consegue manter à risca a escrita / De que jurou nunca mais me procurar e fica / Rondando, zanzando, girando / Tentando voltar a fita / De um filme que já não dá mais pra passar / A dita... /


2 -  “A Loura de Vigário” (Eduardo Marques) - Foi no sacolejo do trem /  Que te conheci meu bem, muito bem / Por causa de um “parador” / Que não parou na estação / Mudou, sem avisar a ninguém, de ramal / Só foi parar na Central / Perdi o Maracanã, "veja" bem / Peguei a tua bolsa no chão / Gritaram pega ladrão, na confusão / Do empurra-empurra geral / Levei de cara um safanão / Mas é o que dá ser cavalheiro / Te deram até o meu dinheiro / Quase lincharam o ladrão / Provei que só quis ser cordial / E ainda muito mal no hospital / Recebo as tuas desculpas do fundo do coração / Valeu, ficar de cara amassada / Me deste o teu telefone lá de Vigário Geral / Mas isso ainda acaba mal / Liguei, assim que obtive alta  / Já não lembravas meu nome  / Caiu a ligação / Jurei, não vou andar mais de trem / Não “tô” aqui pra refém da rede ferroviária / Que sempre me tratou mal / Cismei que vou cair na real / Risquei do mapa a tal loura lá de Vigário Geral / Que nem pagou meu hospital / Cortei as relações com a Central / Comprei uma bicicleta discreta / E agora é só no pedal / Agora é só no pedal / Pra uma lambreta é um degrau / Agora é só no pedal / Agora é só no pedal / De capacete e o escambau / Agora é só no pedal... /


 3 -  “A Loura do Bingo Arpoador” (Eduardo Marques) - A loura do Bingo Arpoador / Fez meu coração estremecer / Gritei uma “linha” e ela me olhou / Como quem diz: - Quero você! / Quem foi que falou que eu conseguia / Ouvir o que a locuter dizia / Ouvia somente o coração bater / E essa Marylin em mim a me enlouquecer / Com seus lábios grandes de carmim / As unhas de uma gaviã / Cabelos de  uma querubim / E as faces rubras de maçã / Com seu jeito de boa cortesã  /  Me convidou pra companhia /  E mal sentou já me bebia / Me fumava, me extorquia / Uns trocados para o vídeo poker lá nas maquininhas /  Quanto mais fichas eu perdia por azar / Mais me olhava essa enguia, a me eletrocutar /  Me deixava uma pilha, com a carteira vazia / E o dia já insistia em raiar / Quando eu achei que iria compensar / Quem sabe, talvez levar-me pra tomar / Um café em sua cama, ou sofá / Desapareceu na tela do bilhar / A Dama de Ouros, a rainha / A bola da vez, a boa / Me deixou sem um tostão e na mão / E sem nenhum cigarro pra fumar / Mas que azar / Me levou tudo o que eu tinha e me largou /  Assim louco, a loura lá do Bingo Arpoador /  Só fui acordar bem mal. / Com  azia, no ponto final, meio dia /  Sacudido pelo trocador, ô,ô /  Sacudido pelo trocador / A loura do Bingo Arpoador (Bingô!)... /



4 -  A Loura” (Eduardo Marques) - Amiúde ainda acaba com a minha saúde / No entanto eu já fiz tudo que pude, pra poder corresponder / É um grude, esse amor bate mais do que bola de gude / Qualquer dia ainda acabo dentro de um ataúde / E ela só pagando pra ver / A danada só me procura de madrugada / Sempre me encontra de perna arriada / Querendo cerveja pra fortalecer / E no entanto naquela do vai ou não vai / Eu fico me sentindo que nem o Popeye / Querendo espinafre pra me defender / A loura chegou assim oxigenada / De franja cortada, cabeça molhada / Pediu uma gelada pra beber / Falou que não queria fazer diferente /  Era papai mamãe, tudo bem transparente / Mandou apagar o abajur / E no meio da coisa me chamou de Clark Kent / Gigante, Maciste. / Metendo os dentes / Falou que ela era minha Madame Pompadour  / Tirou de dentro da bolsa um presente / Era um vibrador muito reluzente / Que ela comprou pra me dar bonjour / Veio com umas propostas indecentes /  Pulando que nem sapo na minha frente / Mandando eu imitar um canguru / A loura (gelada)... /



5 -  “A Música” (Eduardo Marques) - A música, aumenta o rádio meu amor / Abafa o apito lá da metalúrgica / Afoba e desabafa o meu calor / Vem afagar o peito desse teu trabalhador / Que hoje tem folga e não se fala mais na fábrica / Pendura lá no cabide o uniforme / Lava e guarda a minha marmita / O guardanapo, o garfo a faca / E fica mais bonita /  Pro teu homem, minha santa, santo feriado / Vem desarrumar a nossa cama / Veste aquela camisola transparente / Vem amassar o lençol, amarrotar as nossas fronhas / A música, põe na agulha aquele disco / Esfola de belisco o teu batalhador / E dança aquela música / A música, a música, a música / Do nosso amor... /



 6 -  “Aliança” (Eduardo Marques) - Apostei, porque não tinha mais dinheiro pra casar / Tirei minha aliança do anelar / Botei em cima do pano porque achei / Que era fácil, estava mole de encaçapar / Ai, não sei porque a bola preta não entrou, vacilei / Mas nem esquentei, pois o casamento andava um horror / Essa relação já começou numa sinuca / Era ela ou eu e cada um partiu pra luta / Ralei mais que toco de giz na ponta do taco / E ela muito feliz com o vizinho do lado / Que é chofer da viatura cana dura / Quando ela escutava uma sirene já corria / Batia com a porta e só voltava no outro dia / Ai, essa aliança me deixou sem bala na agulha / Largou as crianças / Foi morar com o piloto da patrulha / Cortei o meu barato / Tal foi o maltrato que ela me fez / Dei um nó no saco e aposentei o taco de uma vez / Já paguei o pato e não vou virar freguês / Só jogo na bola da vez... /



7 -  “Alma Geminiana” (Eduardo Marques) - Prefiro as manhãs ensolaradas do que as negras tardes de verão / Minha bebida é só a destilada / E adoro carne bem passada / Quase que carvão / Odeio as notícias de jornal, vejo não / Folheio as revistas da televisão /  Mas não acompanho as novelas / Porque sinto verdadeira aversão / Meu signo me deixa assim baratinado / Nesse estado quase de total sublimação / Mas meu ascendente me deixa amarrado / E a minha Lua é um turbilhão / Tomara que caia um temporal de manhã / Peço outra cerveja bem gelada / Pra engolir a mal assada carne que exigi ao “garçon” / Leio a política, os crimes, o esporte / E o resumo das novelas com toda atenção / Tomara que não chova hoje de manhã /  Perdi o rumo da inspiração / Geminiano é meu coração de Escorpião / Tomara que eu consiga te rever ou não / Não quero mais te ver, não vou telefonar / Se não me atender não vou mais te ligar / Disco outra vez e peço um whisky duplo no balcão... /



8 -  “Alta Ansiedade” (Eduardo Marques) - Se o seu pai dormir / Vamos pro sofá / Assistir TV até terminar / Tem um filme bom / Filme de amor / Não é todo dia que se pode ver / Você faz pipoca / Bebo guaraná / Gente dá um jeito se a caçula acordar / Gente apaga a luz / Gente abaixa o som / Pulo a janela se sua mãe levantar / Deus do céu, esqueci, é último andar / Alta ansiedade, vertigem, tontura / Abre logo a porta / Deixa eu sair / Não aguento mais / Cadê os meus suspensórios / Cadê o meu par de óculos / Cadê o outro pé do meu sapato? / No quarto da mãe tem gente... / 



9 -  “Ana No Samba” (Eduardo Marques) - Ô, Ana 'taí o samba que eu prometi / Agora sacode as “cadeira” até deixar cair / Xi! Um samba gostoso assim não é pra se ficar sentado / O pessoal ‘tá  querendo apreciar o rebolado / Saca só, o cavaco ficou meio injuriado / O “7 cordas” parece que ficou todo embrulhado / O violão se perdeu na marcação, errou de acorde / O pandeiro não pode acompanhar esse gingado / O Ana sacode no samba, mostra nesse requebrado / Quebra pra um lado e pro outro, saracoteia e sacode / Não tem razão pra ficar enciumado o teu namorado / Se não a gente expulsa do pagode / Cai no samba rasgado e arranha o assoalho num sapateado / Deixando a galera olhando de banda pro teu rebolado, de olho envesgado / Vira e revira os “óinho”, que nem a baiana, ô Ana! / Que o pessoal ‘tá ficando endiabrado... 



 10 -  “Anaflor” (Eduardo Marques) Participação de Valéria Lobão - Se eu fosse o dono da estação do trem / Eu voltava pro meu bem / Não saía mais de lá / Mas o trem partiu lá da estação / Me deixou por esse mundo nos versos dessa canção / Se eu tivesse um vidrinho ali na hora / Aparava cada lágrima rolada dos olhos de Anaflor / E guardava pra usar feito perfume / Pra eu não perder o costume de lembrar do meu amor / Anaflor, se eu tivesse uma coragem / Eu matava essa saudade e esquecia o que passou / Que o trem na estação deixou chorando / Meu amor me acenando / E pra longe me levou... /



 11 -  “As Águas do Rio” (Eduardo Marques) - Chovia sobre o Rio de Janeiro / E tanta tampa de bueiro / Entupindo as galerias / Caía das encostas sobre as costas das famílias / Toda crosta que nas montanhas havia / Toda lama que não escorria / Foi aterrando a baia / Soterrando a Guanabara / E cobrindo os pés do Redentor / Virou paisagem pra turista / Vista lá do Himalaia / O meu cachorro, lá do quarto andar / Saiu nadando atrás do meu sofá / E lá no morro / Um baita tobogã / Pro povo escorregar / Não tinha água nem pra cozinhar o macarrão / Agora é água de montão / O povo não pode mais reclamar / Joga a boia meu irmão! ... /



12 -  “Borracharia” (Eduardo Marques) - "Nus reunimo” Lico, Dito, Zito e eu / Sociedade pra ganhar um troco / “Resolvemo” entrar no ramo de pneu / Que era como “tirá o doci dhi um garotu" / Progredimos muito bem a borracharia / No quilômetro cem da Dutra / Duas curvas antes e além / Espalhava umas tachinhas / Garantindo a freguesia / E assim a "genthi" ia de vento em popa / Mas quando a sorte vem a "genthi" nem / Ai, a "genthi" nem aos amigos escuta / Na Glória, na Glória, na Glória / Nessa vida sempre tem um bom filho da mãe / Pra dizer "qui" ninguém vive só de truta / Olha eu e  o pessoal explicando o know-how na delegacia / "Fecharu" a borracharia / De mutreta virou arapuca / Mas já temos novos "planus", sem "enganus" / De pro "anu" a "genthi" abrir a sucursal / "Terminandu" nossas férias na Penal / Muda o "ramu" e "vendhi" água mineral / Duas curvas bem depois do “Rei do Bacalhau” / Manda o “Juaquim” deixar cair no sal / Vai ter nego mergulhando igual submarino / E nós “dhividhi” o lucro por igual no final / Vai ter nego mergulhando igual submarino / E nós “dhividhi” o lucro por igual / Pega os baldes no quintal .../ 



13 -  “Bruxaria” (Eduardo Marques) Participação Paulinho Chuchu (Tamborim) - Ela e seus cristais, seus rituais, em espirais siderais /  Transformou meus pés, minhas mãos /  Transfigurou meus referenciais / Não sei qual simetria / Não sei da magia / Que ela irradia em seus metais / Que me anestesia e me contagia / Silencia meus pontos vitais / Meus meridianos, paralelas, transversais / Vai embaralhando / Longitudes, dimensões, com sua alquimia / Ela e as suas pedras / Seus incensos orbitais / Que me paralisam / Me divisam de outras eras glaciais / Ela e seus gemidos / Seus grunhidos genitais / Vai me energizando / Feito imã, quando chega e me atrai / Ela e seus mistérios / Me envolvendo com seus caracóis / Na feitiçaria / Das suas fronhas e lençóis... /    



14 -  “Cadê o Doutor?” (Eduardo Marques) - Que confusão / Ninguém me dava explicação / Eu amarrado num cordão / Na escuridão só me afogava / E dentro d’água quanto mais eu esperava / Parecia que eu crescia / Vez em quando eu me virava / E sem razão, fui induzido a um portão / Até que tive a sensação / Que alguma coisa me puxava / E essa mesma coisa me dependurou / Me balançou, me esfregou / E me acertou uma palmada / Tentei gritar que não fiz nada / Mas ninguém me escutou / Não entendiam o idioma que eu falava / Xinguei a mãe do homem de branco, mas uma dona me acalmou / Me enrolou num manto e me embalou / E até hoje eu ‘tô devendo essa palmada / Ainda acerto uma porrada no doutor ... /                                                 

15 -  “Cafezinho, Cafezinho” (Eduardo Marques) - Moço, sou um chefe de família / Minha esposa mais três filhos para sustentar / Um cafezinho de manhã, outro no almoço / Um no lanche, outro na janta / E outro na hora de deitar / São cinco bocas só tomando cafezinho / Multiplique pelo preço que aí está / Dá quase o dobro do que eu ganho de salário / Tenho cara de otário, mas eu sei multiplicar /  São cinco bocas vezes cinco cafezinhos / Isso aí dá vinte e cinco cafezinhos pra tomar / No fim do mês, multiplicando os vinte e cinco / Setecentos e cinquenta é o total que vai me dar / Multiplicando os setecentos e cinquenta / Pelo preço tabelado, já viu quanto eu vou pagar? / E só tomando cafezinho, cafezinho, cafezinho, cafezinho / Como é que eu vou aguentar?... E só tomando cafezinho, cafezinho, cafezinho, cafezinho / Como é que eu vou aguentar?...