CD 2

Série “Boemia - Crônica Ensaiada de Uma Cidade” - (Eduardo Marques)

Letras do CD 2


 1 -  “Chama da Madrugada” (Eduardo Marques) - Pintou a boca da madrugada / Quebrou a esquina / Virou a noite / Rasgou o verbo / Molhou palavra / Escreveu verso / Manchou toalha / Bebeu a vida  em cada gole / E em cada gota brindou amores / E fez discurso pra gato pardo / E nos seus olhos a poça d’água / Varreu a noite , rompeu o dia  /  E pintou o sete pro delegado / Virou a mesa do escrivão / Ficou três dias trancafiado / Pagou fiança e advogado / Com a aliança que empenhou / Mandou criança pra cada lado / Levou pra casa o infrator / Tirou a roupa daquele trapo / Deitou na cama que embebedou / E abraçada, riscou a chama / Dormiu pra sempre com seu amor / Deixou uma carta como herança / Que, infelizmente, também queimou....  /


2 -  ”Chame Logo Eliane” (Eduardo Marques) - Não me engane / Chame logo Eliane / Que preciso do seu jeito assim bonito / Se saiu com outro rapaz / Diga que estou velho demais / Pra brincadeiras desse tipo / Que não posso mais / Ficar correndo atrás / Matando cachorro a grito / Não me engane / Chame logo Eliane / Só pra ver a coleção de meus postais / Se foi pra Minas Gerais / Se foi pro Circo Voador / Deixou recado, por favor / Vê com a vizinha do lado / Vê com o porteiro, com a tia / Liga pra Ana, Luzia, a amiga,  a prima / Pra toda a família / Não me engane / Chame logo Eliane / Que preciso urgentemente de um calmante / Se saiu só por aí / Diga que estou no CTI / Que meu estado é alarmante /  Não me engane / Chame logo Eliane / Que já ando meio assim, quase que quase / Nessa tendência suicida / Meu coração kamikaze / Pode explodir na avenida / Apaixonando a cidade / Não me engane / Chame logo Eliane / Antes que seja tarde / Que infeliz, por um triz / Meu coração quase morre de saudade .../

3 - ”Classe A” (Eduardo Marques) - Se eu ganhasse / Algum dia algum dinheiro / Eu comprava o morro inteiro / Pra nós dois “morá” / E trocava os “latão” por um chuveiro / E ao invés de um "fugareiro" / Micro-ondas pra assar / Um frangão nos almoços de domingo / E você se exibindo num vestido tafetá / Ia subindo e descendo as “alameda” / Toda encoberta de seda / Pros meus “olho anuviá” / Ai, eu pagava a Light pra lhe iluminar / Botava um metrô na porta / Pra nós dois somente andar pra lá e pra cá /  Vendo as “paisagem” / Rodando vinte e quatro horas em vez de trem / E ele vinha sem demora, era só “chamá” / Quando “precisá” / E tinha até aeromoça e frigobar / Um fino tratamento / Um serviço Classe A / Pra “esnobá” / ‘Inda enchia um “frize” de carne fresca / Nunca mais você comia / Esse angu de fubá / “Num” deixa “encaroçá” /  “Num pará de mexê” / “Num Pará de abaná” / “Qui é pra não apagá” ... /


4 - ”Depois das Seis” (Eduardo Marques) - Só vim lhe pedir / Pra você não ir / “Na” minha porta depois das seis / Eu já lhe avisei / Que às seis e meia / Ela sempre chega / Se ela lhe pega, vai ser uma esfrega / Um osso duro de roer / Não custa evitar / ‘Cê pode me visitar todo dia às três / É um horário bom / Já fiz a digestão / Não “tem” perigo da gente “tê” uma congestão / Até cinco e meia “tem” tempo de sobra / Pra eu lhe dar atenção / Tomar chá preto com limão / Quem mandou não se dar com a sua nora, por favor / Agora não venha causar separação / Já 'tô casado há um tempão... /


5 - ”Desafio” (Eduardo Marques” - Mas não diga nada / Se não eu faço uma baita arruaça no meio da rua / Mas não cante nada / Se não eu faço uma baita pirraça da bruta / Eu já andei no mundo pra cima e pra baixo / Já fiz quase todo e servi de capacho / Limparam a sola do sapato na minha cabeça / Mas hoje eu duvido quem me torça o braço / Sou cabra vivido e o sangue é de raça / Quem dorme comigo sente uma quentura /  Mas não diga nada / Se não eu faço uma baita arruaça no meio da rua / Mas não cante nada / Se não eu faço uma baita pirraça da bruta / Na minha viola não cabe um pedaço / Dessa covardia que sobra na tua / Não me provoca, nem me desafia / A tua valentia a mim não assusta / Dá uma rasteira e uma facada / Eu posso cair, mas custa / Eu posso cair, mas custa /  Mas não diga nada / Se não eu faço uma baita arruaça no meio da rua / Mas não cante nada / Se não eu faço uma baita pirraça da bruta / Eu não me iludo nas coisas que vejo / Já vi quase tudo e não tive desejo / De possuir o que não possuísse / Por não ter quem desse / Ou por não ter dinheiro / Mas consegui que a vida me desse / Um verso e uma rima , ligeiro / Eu guardo na boca as minhas palavras / Falo à queima roupa / E mato primeiro /  Falo à queima roupa / E mato primeiro /Falo à queima roupa / E mato primeiro... / 


6 - ”Diálogo” (Eduardo Marques) - Detido como animal / Esse infeliz foi pego em flagrante / Jogando pedra e arrebentando um bem do patrimônio federal / Tem que morrer pastando e comer capim / Arder no fogo do inferno / E olha só a cara dele / Parece um marginal /  E a marmita, que esquisita / Embrulha num jornal / E a carteira de trabalho está amarrotada / E amarrada num barbante / Olha a roupa dele / Parece até o estrupício / O lugar dele é no hospício, ou no hospital / Convoca a reportagem pra mostrar a pinta dele / Na primeira página do jornal / E depois da um jeito nesse inconsequente / Despacha como indigente / Que lugar de delinquente / É a sete palmos do chão / E sem direito à extrema unção / E no atestado de óbito / Declara a causa mortis por indigestão / Ou então, que foi largado / Atropelado e abandonado por um caminhão / Ou então, que foi largado / Atropelado e abandonado por um rabecão ... /


7 - ”Domingo É Na Urca” (Eduardo Marques” - Mas foi / Mesmo um programa de fundir a cuca / No fim de semana nós fomos pra Urca / Mas só que tivemos de esperar os bombeiros / Porque minha sogra já está meio fora de forma / Foi saltar do trem, caiu da plataforma / Ficou sobre os trilhos / Prendeu o tornozelo / Só pra chatear / Ficamos três horas na sala do Souza Aguiar / O caçula querendo mexer no farnel / Ai, meu Deus do céu! / A panela derramou em pleno corredor / Um doutor escorregou numa azeitona preta / Eu já avisei pra minha preta que não dá / Pra levar esse isopor com a goela seca / Daí, enquanto se espera botar atadura / Minha preta me serve aí outra manjuba / Um sanduba pro caçula parar de azucrinar / Vai um guaraná / Outra cerveja gelada / O que que há, ó “seu” guarda? / É só “uminha” pra matar esse calor de lascar / Vai uma coxinha / Pra tirar um tira gosto / A maionese, um pratinho de farofa com arroz / Serve um limãozinho pro nossa amizade não reclamar / Abre outra saideira / Dá pra enfermeira chefe se aguentar / Daí, já não dava mais tempo de ir lá pra Urca / Tinha ali bem de frente o Campo de Sant'Anna, ‘tá legal / Fica perto da Central / Muito bom pra voltar / Foi um piquenique arretado pra danar, pra danar / ‘Inda trouxe uma cotia dentro da bolsa das Casas da Banha / Pro nosso jantar / Domingo nós “vai voltar".... /
  

8 - ”Estrela Guia” (Eduardo Marques) - Era um quarto, uma janela dando para muitos sóis / Onde um arco-íris vinha colorir  com seus sinais / Onde uma estrela guia / Despontava nas manhãs sombrias / E a noite trazia luas cheias de constelações vadias / Na minha cabeça / E era o Universo, o Infinito e muitos céus / Que viajávamos em nuvens / Que eram nossa nave espacial / Que se desgoverna e se distancia / Cada dia mais da Terra / E desbravando todas as esferas / Me perdia lá no fundo do quintal / Mas você cresceu numa estrela e nunca mais brilhou meu céu / E ao vê-la assim iluminada / Me desfiz dos meus anéis / Desmanchei planetas / Apaguei cometas / Joguei tinta preta bem no Universo / Que desmoronava em pedaços sobre os meus pés / Rasguei bem ao meio o arco-íris / Reparti a lua arrebentando o pires / E lambuzei o sol com meus pincéis... /


9 - ”Eu Também Quero Ir” (Eduardo Marques) - Amor, quando você sair / Me diga, por favor, pra onde é que vai / Não é por nada, não / Mas é que um tal de Haroldo / Está telefonando às três da madrugada, coração / Eu digo que você saiu / Mas ele quer saber pra onde você foi / Eu digo que não sei  e ele me perguntando / Quem está falando? / Eu digo: É o marido - cai a ligação / Daqui a pouco, outra vez / Um tal de Juarez que estudou contigo / Está aborrecido / Diz que é seu amigo / E você nunca mais lhe procurou / O nosso filho está chorando / Já está todo molhado / Eu pego a mamadeira / E todo atrapalhado eu quebro a cafeteira /  E o vizinho do lado / Reclama da zoeira, com razão /  Já "tem" alguém na campainha / A síndica berrando “é hora do silêncio” / Já “tô” todo espetado nesse alfinete / Que eu nunca sei direito qual é mesmo o lado, não sei não / O meu dedo está sangrando / O cachorro latindo / A polícia chegando / E eu me desculpando pra esse tal sargento / Que quer meu documento / E o prédio inteiro olhando no portão / Amor, quando você sair / Me diga, por favor, pra onde é que vai / Se não pego o facão / Eu faço harakiri / Eu preciso dormir / Eu vou morar na casa dos meus pais / Amor, quando você sair / Me diga, por favor, pra onde é que vai / Que eu também quero ir / Eu também quero ir / Eu também quero ir  Eu também quero ir atrás... /
  

10 -”Fama Internacional” (Eduardo Marques) - Mandaram chamar a Justiça / E foi corre-corre pra tudo que é banda / Porque era de madrugada / Mas a gente estava caindo no samba / Mas a Filó resolveu fazer striptease em cima do muro / Se bem que naquele pedaço da rua estava um bocado escuro / Mas é que o “Bigode” não se contentou em ficar só de espectador / E foi tirar satisfação / Saiu na mão, naquela de horror / Daí o rebu se armou / A cachaça entornou e caiu no bueiro / E quem tinha dado dinheiro pra comprar o limão / Bem que se revoltou /  E foi cachação, pé na cara, rabo de arraia / Até o violão caiu na gandaia / E foi se acabar nas costas do “João Comilão” / Que estava tocando o pandeiro lá no canteiro, com a Nadir / Que saiu correndo ligeiro / Deixando a flauta dele cair / Mas a maior emoção foi ver nossos nomes no jornal / Na primeira edição, na coluna policial / Mas a serenata furou, / Mas a gente ganhou fama internacional / Dando autógrafos pras enfermeiras do hospital / Até que foi legal... /


11 - “Gota de Lembrança” (Eduardo Marques) - Eu bem que tentei, mas desisti depois dos trinta / Hoje, aos quarenta, caminhando pra cinquenta /  Não percebo mais em mim aquela esperança /  Que eu descobri, quando ‘inda era uma criança / Hoje o Super-Homem anda mais pra Pernalonga / De orelha em pé e as canelas sempre prontas / Bato em retirada, joguei fora a armadura / Que enferrujava em cima desta criatura /  Embora em meu peito ‘inda traga acesa a chama / Fico na retranca, não dou bola pra provocação / Guardei bem lá dentro aquela gota de lembrança / E só deixo entrar quem eu quiser no coração / Me cansei de ver sempre arrumando a bagunça / Que ficava sempre em cada separação... /
  
  
12 - “Hoje Eu Não Quero” (Eduardo Marques) - Nega, hoje eu não quero, não / Guarda meu violão até meu sono vir / Nega, hoje eu não quero , não / Guarda meu violão até meu sono vir / Pega na geladeira e joga fora a minha cerveja / Põe no lixo o meu baralho e pega a camiseta / Do Flamengo e taca fogo até meu sono vir / Nega hoje eu não quero, não / Guarda meu coração / No fundo da gaveta / Nega, hoje eu não quero, não / Guarda meu coração / No fundo da gaveta / Pega o que restou da minha farra dentro da carteira / E rasga o que sobrou pra tomar outra bebedeira / Passa a mão no terno e joga dentro da lixeira / Põe comida pro cachorro na minha marmita / E aproveita o guardanapo pra fazer limpeza / Tira o pó das minhas costas pra ver como fica / Nega, eu não quero, não / Que eu não quero não /  Dá um nó no meu pescoço com a gravata preta / Quando eu estiver dormindo, pega o meu  retrato / Cospe em cima e numa praga manda pro capeta / Nega, que eu não quero, não / Pelo amor de Deus não cabe na minha cabeça / Obedeça, obedeça, obedeça / Nega, diz pra mim, obedeça, diz pra mim, obedeça / Diz obedeça, desobedeça, diz e obedeça / Desobedeça, diz, obedeça, diz e obedeça / Nega! ... /
  

13 - “Hora Marcada” (Eduardo Marques) - Foi no botequim / Depois que tomou mais de três saideiras / Falou que era Mestre em Judô, Capoeira / Fez discurso de amor pra sua companheira / Batendo no peito, tumultuou a paz do ambiente / Alguém perguntou se ele era valente / Virou de uma vez o copo de aguardente / Só fez presepada / Esqueceu que malandro não fala besteira / Que na madrugada não marca bobeira / Que discurso de amor não faz arquibancada / Voou uma cadeira, um pé levantou bem no meio da cara /  Um tiro ecoou bem na hora marcada /  Um otário caiu e se escondeu sob a mesa / Todo mundo viu quando o outro saiu sacudindo a poeira / E ainda levou de mãos dadas a parceira / Que era do otário que marcou bobeira ... /
  

14 - “Horas Extras” (Eduardo Marques) - Em dicionário de otário / Vocabulário trabalho, minha nega / Significa grandeza / Mas cá pra mim da gandaia / Bom mesmo é pegar uma praia / Admirar uma saia / Com toda beleza / Que importa o que você diga / Não vou comprar uma briga / Que já fez aniversário /  Me dê logo um monetário / Pra eu pagar a despesa da mesa / Lá no “Boteco do Mário” / Já dei televisão, não presta não / Já fiz até crediário /  Comendo cada tostão / A dona lá do salão / Vai me deixando precário /  Você precisa cuidar / Pra não desanimar / Fazer umas horas extras / Por isso /  Arranje outro serviço / Me dê um chá de sumiço / Que eu vou tirar uma sesta / Põe meu jaleco no armário... /


15 - “Jantar A Três” (Eduardo Marques) - Não foi à toa que eu lhe avisei, que a mamãe ia lá em casa / O “Miojo” que eu preparei, virou macarronada / Mas não precisava me tratar assim / Só porque ela adormeceu na sala /  É um quitinete, amor eu bem sei /  Mas com jeitinho até que dava / Você cismou que tinha de ir embora / Até me fez desfeita já de madrugada / No sofá-cama até que “dava” os três  / E ainda tinha a esteira e as almofadas / ‘Tá certo, ela quis ver “sessão coruja” / Mas como é que eu podia imaginar naquela hora / Era um bangue-bangue muito chato / E de repente até quem sabe ela não ia embora / Eu juro, se soubesse, eu não marcava pra essa semana esse tal jantar / O doce de banana eu guardava no congelador / Deixava congelar / O “Cantina de São Roque” eu não desarrolhava pra não evaporar / E dava um toque na mamãe pra vir no dia seguinte almoçar / Em vez de jantar.../