CD 3

Série “Boemia - Crônica Ensaiada de Uma Cidade” - (Eduardo Marques)

Letras do CD 3


1 - “Lembrando Vila Isabel” (Eduardo Marques) - Meu Deus, ainda lembro / Na Vinte e Oito de Setembro / O bonde Barão de Drummond / E o motorneiro Agamenon / Do posto de gasolina / De fronte à Escola Argentina / Onde aprendi a lição: Ivo viu a uva / Pegava rolimã pra fazer carro de bilha / E desfilar com a filha do dono do armazém / “Seu Waldomiro Neném”, que dava bala com o troco / Pois não havia inflação / Aquilo é que era vidão / No Pedro Ernesto, hospital muito modesto / Fez-se a circuncisão / E era um garoto cristão / Nossa Senhora de Lourdes, foi nessa igreja que eu pude / Riscar no chão o pião / Até pegava na mão / Nas aulas de catecismo pra primeira comunhão / Quase virei sacristão / Mas cochilei no sermão / Pecava muito à vontade / Mas confessava pro padre e recebia o perdão / De penitência uma oração / Descia a Jorge Rudge pra jogar bola de gude na Felipe Camarão / Voltava cheio de mão / E atrás do Colégio Estadual João Alfredo eu só pegava balão / Era “japona” e “tangerina” / Que nego soltava da Favela do Esqueleto em noite de São João / De canjiquinha e quentão / De calça remendada / Camisa quadriculada / Lenço no pescoço / E um bigodinho de carvão / No bafo-bafo troquei meu canivete / Por uma carimbada do “Seu Garrincha Mané”/ Conservando o topete, brilhantina, “Gumex” / Mascava chicletes tutti-fruti, hortelã, da “Ping-Pong” / E no estribo do bonde fazia de patinete / Até ao Instituto La-fayette / E a professora de história / Não me sai da memória / Foi a primeira paixão / Aquilo é que era tesão / Até que um dia me pegou com uma cola / E meteu a caneta / Tirei zero na prova / Troquei o livro de História  / Por uma revistinha de tocar... / Violão.../


2 - “Mãe e Filha” (Eduardo Marques) - Aonde uma ia, atrás da outra, a outra também ia / E ninguém sabia qual era a filha da mãe / Qual era a mãe da filha / Era a cara de uma e a cara da outra / E ninguém as distinguia / Quando uma saia, atrás da outra / E a outra, atrás da outra, também ia / Quando uma recebia em casa / A outra escondida assistia / Enquanto uma se exibia no jardim a outra em casa adormecia / Eram como duas sombras, um espelho / Quase uma fotografia / Pareciam irmãs gêmeas / Mas no, entanto, era só a mãe e a filha / Mas um dia aconteceu / Que uma conheceu alguém que não sabia / Nunca quando uma era a outra / E por isso até se confundia / E um dia por acaso se deitou com uma que se oferecia / E amou à outra, sem saber se amava / Uma que era mãe ou filha / Nesse dia de repente uma abriu a porta / E assim assustada / Olhou para a outra, que lhe estendeu / A mão, ainda atordoada / E uma ânsia louca fez unir / As bocas com tanta energia / Que ninguém sabia / Qual era a filha da mãe / Qual era a mãe da filha / A filha da mãe, a mãe da filha / A filha da mãe, a mãe da filha / Umhum...

3 - “Maquiagem” (Eduardo Marques) - Chorei / Mas retoquei a maquiagem / Vi do espelho a metade / Do teu sorriso e brinquei / Fingi, que também já era tarde / Arrumei o penteado e saí / E ainda te beijei ao me vestir / Olhei de relance, na escada / Vi a porta encostada sem bater / Como se quisesse assim me convencer / Que eu ficasse de uma vez pra decidir / Manchei de pirraça a toalha de batom / Que é pra ver se por acaso ela encontrar / Não te obriga de uma vez a me esquecer / Ou de uma vez enfim me procurar / Me procurar / Me procurar...

4 - “Meu Pai Na TV” (Eduardo Marques) - Ói lá, meu pai na TV / Só não deu pra ver / Porque minha mãe começou a chorar / Vai ver que o revólver dele / É de brincadeira / Ele agora trabalha na novela / Quando eu crescer / Também quero ser / ‘Gualzinho ao meu pai / Usar um revólver na costela / E ter meu retrato no Jornal Nacional / Que é pra todo mundo ver / Nem era meu aniversário / Me deu jetsky, moreyboog, skate walkman / E deu pra minha mãe / Vídeo cassete e um som laser também / Só não acho bom quando é o final de cada novela / Vem “uns home” aqui em casa / Levam meu pai na marra / Limpam a casa e a gente fica sem / Me diz, oh, “Seu Dono” da televisão / Ô mãe, que graça tem? / Quando eu crescer / Não vou querer / Entregar minhas “coisa” a ninguém / Ói lá...

5 - “Não Acordei, Não” (Eduardo Marques) - ‘Tá certo, eu concordo que esta marca em seu pescoço / Foi um mosquito que lhe mordeu, deixando roxo / E que esse anel de brilhante / Você tirou numa rifa / Que uma amiga distante lhe passou, meu amor / ‘Tá bem, eu até acredito e admito o seu ardor / Quando o telefone toca lhe chamando: “Por favor” / É mais um primo distante eu chegou do interior / Às três horas da manhã, mas seja lá como for / Aquelas flores e o cartão no seu aniversário / Pode ser até que “seja” de um amigo do trabalho / Mas só não dá pra entender / Assim ainda acabo louco / O quê “que” este homem está / Fazendo dentro do meu armário / Se é que é pesadelo, fruto da imaginação / Pelo amor de Deus me dá outro beliscão / Que eu não acordei, não /  Me arranca a coberta, me bate com o travesseiro, me empurra pro chão / Pelo amor de Deus me dá outro beliscão / Que eu não acordei, não / Depressa, me joga água fria, a caneca, a bacia / Eu não acordei, não / Pelo amor de Deus, me dá outro beliscão / Que eu não acordei, não ...

6 - “Não Canto Mais Em Botequim” (Eduardo Marques) - Arrumei um trabalho / Pra cantar num botequim / Falei pro dono da casa / Que só cantava se fosse assim / Samba de minha autoria / Valorizando o compositor / Mas o sujeito queria / Que eu contasse piada / Mudasse o repertório, igual a outro cantor / Mas eu não sou cantor / Eu sou compositor / Quero cantar meus sambas, sim senhor / Mas eu não sou comediante, não sou humorista / Será que todo artista tem que ser ator / Peguei meu violão / Dispensei o cachet / E fui cantar meus sambas em outra estação / Não sei fazer comédia / Vira uma tragédia / O povo pede a conta pro garçon / Eu não sei imitar / Eu não sei rebolar / Eu não sei declamar / Eu sou compositor / Vou me matricular lá no “Orlando Orfei” / Quem sabe assim eu possa descolar / Em outro botequim / Um quadro só pra mim / Engolindo a espada / De cara pintada / Segurando a cobra / Ou me jogando de um trampolim / Não canto mais em botequim... /

7 - “Não Leva A Mal, Não” (Eduardo Marques) - A marca do teu baton / Manchou meu paletó / Teu telefone ficou na minha carteira / Se ela viu, ou se não viu, tanto pior / Se é melhor, que seja assim / Saber por mim / Que já não ando só / Ela me fez muito feliz / Me deu guarida / Roupa lavada, casa e comida / Carinho e atenção / Se chego tarde está sempre me esperando no portão / Eu me preparando pra ouvir mais um sermão / Leva sempre os meus chinelos pro banheiro / Me acorda de manhã cedo, me beijando o coração / Mas não dá mais, não posso mais, não quero não / Eu ‘tô cortando o cordão / Mamãe, não leva a mal, não / ‘Inda sobrou o meu irmão ...

8 -  “Nó Cego” (Eduardo Marques) - (Estribilho) Ai, ai, meu Deus! / Quanto peso em minhas costas / Quanto mais eu me pergunto / Mais eu fico sem respostas / Quando eu penso nesse assunto / A cabeça se enrosca / Dá um nó cego e eu não encontro / Quem me dê uma resposta / Ai, ai, meu Deus ... /// É tanta imoralidade, injustiça e falcatrua / E a tal da impunidade, com tamanha envergadura / Vai deixando a nossa gente / Nessa rua da amargura / Não existe um só decente / Que aguente essa tortura / Ai, ai, meu Deus... (Estribilho) ///
A Justiça é mesmo cega / Não enxerga o que se vê / É tanta maracutaia que aparece na TV /  O jornal só noticia / Todo dia essa gandaia / O povo quebrando pedra / E morrendo nessa praia / Ai, ai, meu Deus ... (Estribilho) ///

9 - “O Dono da Filha” (Eduardo Marques) - Mulher, eu não podia me furtar / Foi por querer aquele olhar / Pois o desejo de te ter / Me fez enlouquecer / E até me aproximar / Sem querer saber / Quem era aquele rapaz / Que só dançava com você / Me causando mal estar / Como ia saber / Que você era filha do dono do bar / Que o garçon lutava tae-ken-dô / E que era seu irmão / E o tal rapaz / Era o segurança / Entrei na dança / Que o seu pai botou / Pra segurar qualquer benfeitor / Dentro do bar, veja o que ele fez / Me fez engolir / O torpedo com o molho inglês / Fez xixi na minha cerveja e me mandou tomar / Não volto mais lá...

10 - “O Filho do Super Homem” (Eduardo Marques) - Acordar às cinco horas e encarar um trem lotado / Correr até ao escritório e chegar todo dia atrasado / Aturar o meu patrão fazendo reclamação / Almoçar de pé num botequim pendurado / Às seis horas da tarde correr pra faculdade / Batalhar um diploma que é sem utilidade / Às dez horas da noite voltar mal humorado / Abro a porta e os três filhos ainda estão acordados / O mais velho pegou o menor / ‘Tá com o braço quebrado / ‘Tá faltando remédio pra tosse e pra resfriado / E a minha mulher me lembrando o dia da prestação / A minha sogra parada / De olho grudado na televisão / Faço um prato e encaro com raiva um macarrão gelado / O arroz ‘tá empapado e o feijão um tanto aguado / Vou pegar o jornal, ‘tá faltando o caderno de esporte / E o vizinho de cima escutando um rock de morte / Tento gritar “shazam”, chamo pelo He-Man, ninguém vem / E amanhã de manhã o herói nacional / ‘Tá de novo encarando um trem / Chamo Batman e Robin, a Mulher Maravilha e entro na repartição / Clark Kent vai ficar demente / Pedir demissão / Xi, Clark Kent vai ficar demente / Pedir demissão ...

11 - “O Gato” (Eduardo Marques) - Mas eu dancei / Na hora em que a porta se abriu e ele entrou / E vi você jogar um charme sedutor / E o cara era mesmo um gato que chegou / Corri, pedi a conta, mas você não aceitou / Querendo outra saideira / Bebeu mais três / Pediu licença e levantou / Daí, na outra mesa o gato também se ergueu / E você foi ao toalete e logo eu / Vi que o gato também foi / Depois, você voltou tão sorridente / Guardou o papel dobrado que nem me mostrou / Disse que era um guardanapo sem valor / Joguei, no outro dia, na cabeça e acertei / Na milhar do gato e comprovei / Que o meu palpite confirmou / Pedi pra que o bicheiro se enganasse / Até implorei / Nem fiz questão que me pagasse, pois eu sei / Que eu não tenho vocação pra adivinho / Saí e fui beber sozinho lá no mesmo bar / E de repente em minhas pernas veio se enroscar / Um gato preto só querendo algum carinho / Olhei pra um lado e para o outro e como ninguém viu / Nem percebi que adrenalina me subiu / Pisei no rabo do bichinho ...

12 - “O Imperador da Lapa” (Eduardo Marques) - Já fui imperador na Lapa / Já disputei no tapa / E na pernada / Mas troquei meu Panamá / Por um boné da Adidas / E os meus sapatos brancos / Por um par de havaianas / Que já estão soltando as tiras / Mas já fui leão de chácara / Num boteco lá da estiva / Hoje eu vendo é picolé do China / Olha a maré / Na Praia do Flamengo e sacolé / Se não fosse aquele dengo me pegar “desprecavido” / Não ficava derretido / Quando vi essa mulher ///  Ela chegou com um jeito que não queria nada / Tomei garrafada de catuaba / Fazia gemada / Me deu xaropada na colher / Gastei meu dinheiro só de vitamina / Quebrei mais de dez camas / Virei um palito e aquele cabrito ainda reclama / E se eu deito pro outro lado / Ela pega no meu pé... (Mas eu já fui...)

13 -  “O Piloto Sumiu” (Eduardo Marques) - Ô mãe, entraram “uns dez armado até os dentes” / Foram pegando logo o gerente / Incendiaram a cabine e o segurança / Ficou igualzinho ao churrasquinho da baiana / Furei a fila quando alguém mandou deitar no chão / E arrancaram a bolsa da velhinha e a pensão / O cofre não abriu, alguém gritou “que te pariu” / Um homem pôs a mão no coração e até sorriu / Ficou estiradinho olhando assim pra mim, que nem um cão / Que estivesse aguardando a execução, que nem sentiu / Legal foi quando o pessoal da elite anunciou / Num megafone, que tinham cercado o quarteirão / O mais comprido, decidido, então telefonou / Pedindo uns sanduíches que um repórter entregou / Mas só deixaram entrar a freira que se ofereceu / Em troca de uma refém / Que quase abortou / É que um deles tinha um neném, se comoveu / Ao ver a pobre caixa já sentindo contração / Pediram uma TV pra se ver na televisão / Pediram um carro e a promessa de um avião / De madrugada, finalmente, a caravana então saiu / E a cidade inteira aplaudindo a procissão / No meio do caminho quase outra confusão / É que vinha seguindo mais de trinta “camburão” / Outro refém trocado pelo delegado e o juiz / Um advogado que cuidou da transação / Ganhou mais dez clientes pra depois da rendição / Se é que alguém sabe o rumo do avião / O piloto sumiu no meio da escuridão / Se é que alguém sabe o rumo do avião/ Se é que alguém sabe o rumo do avião...

14 - “O Samba Que Anda” (Eduardo Marques) - O samba parece que anda assim meio de banda / Coitado do samba, foi apunhalado / Mas quem, foi que disse que ele morreu? / O samba que o Nelson salvou, meio agonizante, não foi pro hospital / E anda bastante elegante / No fundo de quintal / O samba, que faz algum tempo o Paulinho escutou / Num papo furado que alguém lhe falou / Que o samba acabou, quando o dia clareou / Pelo contrário, ele anda emendando a noite com o dia / Seja lá em Madureira, lá na Mangueira, ou lá na Vila / Mas o samba que anda enganando por toda a cidade / Com banca e pinta de mister bacana / Que até se esparrama na alta sociedade / Não é mesmo samba, que o samba não anda na moda, e  nem dita prosa / Já vem lá de Donga e Noel Rosa / Com a cara que sempre se deu / E quem vem com onda inventando um samba diferente / Mais pra frente / Não saca, malandro, que deu uma de Zé Bedeu / Que o samba não precisa por sapato alto / Vem lá do morro e chega no asfalto / Com a santa humildade que o bom Deus lhe deu / Que o samba não precisa de aristocracia / Já nasce esbanjando Harmonia / Que nem a bateria de Padre Miguel / Que o samba que é mesmo samba / É o de Nelson e Paulinho / Não precisa usar colarinho, todo engomadinho / Andar de jatinho / Pra merecer lugar no céu, o samba... / Pra merecer lugar no céu, o samba...

15 - “Tresloucados Gestos” (Eduardo Marques) - Colubiasol, que aveludava minhas palavras / Dentro de um baby-doll / Que aos meus olhos “colirava” / Escova de dente / Que só eu sabia o gosto / Sapato velho, tamanco, chinelo / Que meu joanete amaciou / Livro de cabeceira / Motivo da minha insônia / Meu disco do “Morengueira” / Travesseiro, minha fronha / Meu queijo com goiabada / Servido em pires de louça / Meu pudim de leite moça / Dentro da calda queimada / Minha guimba derradeira / Do meu último cigarro / Ela foi a “causadeira” / Dos meus gestos tresloucados / Rasguei as fotografias / Joguei fora a enceradeira / Dispensei a cozinheira / Já não como faz três dias / Mas ainda me refaço / Se ela volta eu dou o troco / Não tiro mais nenhum retrato / Não reformo o sinteko / E só como de forno...